Fortaleza da KibalaDesigno (por uma mera questão de compreensão geográfica) por "povo Kibala" aquele que habita a região sul e central da província do Kwanza-Sul, não tendo tal designação conotação político-administrativa.

Debruço-me sobre o nome da língua dos Kibala, ou seja a língua que se fala na região sul e central do Kwanza-Sul, cujo fundo lexical mais se aproxima ao grupo etnolinguístico Ambundu.

A presente apresentação tem como objectivo suscitar debate e tentar comprovar a pertença ao tronco Kimbundu da variante linguística que se fala na Kibala, Hebo, Kilenda, Lubolu, Mbwim (Amboim), Waku e outras parcelas. Visa ainda buscar os contra-argumentos dos adeptos de uma suposta língua ngoya atribuída aos povos dos territórios acima enumerados.

Nasci na fronteira entre Libolo e Kibala, nas margens do rio Longa. Enquanto garoto, ouvi sempre de minha mãe, meus avós e demais membros da comunidade que a expressão ngoya se referia a indivíduos sem educação, sem maneiras, sem asseio, ou seja, uma expressão que caracteriza o individuo fora do padrão de convivência comunitária.

Ouvi também por parte de aldeões oriundos do planalto e que trabalhavam nas fazendas de café, lá no Libolo, a mesma expressão ngoya caracterizando-nos sempre que fosse em termos depreciativos. Quando alguém fizesse algo incomum era tido como ngoya. Mesmo nas brincadeiras "estúpidas", na escola, era assim que os filhos dos oriundos do planalto (ovimbundu) nos tratavam.

Vakwa nano (equivalente à expressão "os de cima" ou os do norte) é outra expressão com que os povos planálticos se referem aos seus vizinhos e ascendentes Kibala.

Fruto destas experiências, soube sempre que ser ngoya era estar “fora da lei” e que a expressão em si estava carregada de sentido pejorativo. Já nos dias da minha mocidade, e em Luanda, comecei a ouvir a nova versão do termo designando a língua que se fala na região central do Kwanza-Sul, ou seja na Kibala.

Daí que carrego comigo a dúvida e pretensão de debater e esclarecer se, na verdade, ngoya é a designação da língua dos povos centrais do Kwanza-Sul.

Partindo do princípio de que os Ambundu falam Kimbundu (sendo evidente a origem ambundo dos povos que habitam a região supra citada); os Ovimbundu falam Umbundu, os Portugueses glosam Português e assim adiante, conservando-se (na maioria dos casos) a semelhança entre o toponímico e o gentílico, por que razão haveria tanta diferença entre a designação do povo Kibala e a sua língua (no caso povo Kibala, língua ngoya)?

A meu ver, seria mais razoável que, na tentativa de atribuir uma língua distinta do Kimbundu, Kibala ou termo parecido fosse a língua dos povos da Kibala tal qual Ngangela é língua desse mesmo povo.

Gabriel Vinte e Cinco na sua obra “Os Kibala” faz uma abordagem sobre a origem Ambundu dos Kibala através das migrações seculares do norte/nordeste para Centro/Sul, e diz ainda não ter encontrado ao longo das suas pesquisas no terreno (motherland) nenhuma relação entre a expressão ngoya e a língua dos povos Kibala.

Falam ainda, Vinte e Cinco e Moisés Malumbu (2005), este último na sua obra “Os Ovimbundu do Planalto Central de Angola”, sobre a descendência Kibala dos povos Mbalundu e Ndulu (Bailundo e Andulo) importantes reinos planálticos, sem que haja na sua narrativa alguma referência a um suposto povo ngoya como também refuta, inclusive, a existência de povos Jaga na história de Angola (Malumbo 2005, p.123).

A ausência de referência a um suposto povo ngoya ou uma suposta língua assim designada leva à terra argumentos simplórios que associem a expressão depreciativa ngoya à designação da língua dos povos Kibala (região sul e central do Kwanza-Sul).

Tudo quanto pude investigar, ngoya é um termo difundido, e de forma profusa, pela Rádio VORGAN, primeira estação a criar um programa na língua que se fala na região a que temos vindo a fazer menção, designando-o, a meu ver erradamente por “Programa em língua ngoya”.

A partir de 2007, o canal Ngola Yeto da RNA criou igualmente um programa verbalizado no mesmo idioma a que também designou por “Programa em ngoya”.

Creio que nenhum estudo aprofundado terá sido feito no terreno por essas duas estações radiofónicas para se certificar da verdadeira designação deste instrumento de comunicação, levando-nos quase a tomar tal expressão como se de real se tratasse e comummente aceite.

Se as iniciativas das Rádios citadas tiveram e têm o seu mérito, pela revalorização da língua, permitindo a multiplicação de falantes e uma maior reflexão e estudos sobre a mesma, urge também necessário definir, e de forma acabada, a verdadeira designação da língua que se fala na região Central do Kwanza-Sul, uma missão a que somos todos chamados.

Para procurar elucidar essa questão, servi-me da pergunta: Eye oji lyahi wondola? (que língua falas)? Questão colocada a 60 inquiridos, em Luanda, Kibala e Libolo (margem do rio Longa).

A minha amostra foi repartida em dois grupos de 30 (mais de 50 anos e menos de 40 anos), tendo resultado nas seguintes respostas:

(i) os maiores de 50 anos, 48 responderam: - Eme Kimbundu ngondola; kimbundu kyepala ngondola (eu falo Kimbundu; falo kimbundu da Kibala). Uma manteve a dúvida se era Kimbundu da Kibala ou ngoya (“umba kimbundu o ngoya”e outro disse respondeu “ngoya”.

(ii) dos inquiridos em Luanda e Kwanza-Sul, com menos de 40 anos (14-40), 16 responderam: “Kimbundu ngondola; Kimbundu kyetu kyepala” (falo kimbundu, o nosso kimbundu de Kibala);

(iii) outros 09 responderam: “Eme ngoya ngondola” (falo ngoya).

(iv) cinco disseram: “Eme umbá. Umbá ngoya ó kipala!” (eu não sei se é ngoya ou kibala).

Notei que as respostas ambiguas/duvidosas resultaram, a meu ver, do facto de nos últimos tempos se ter “publicitado”, sobretudo, pelas rádios VORGAN e NGOLA YETO, que “a língua falada pelos ambundu do Kwanza-sul é ngoya”, o que contraria os factos históricos e vivenciais.

Kimbundu ou ngoya? Eis a questão!

Autor: LUCIANO CANHANGA

Artigo publicado no CULTURA - Jornal Angolano de Artes e Letras em Junho de 2016