Chega com os alvores do Verão do hemisfério Norte uma vaga de encontros, convívios, confraternizações e liturgias afins, que todos os anos reúnem em Portugal os bencerragens (os que sobram) de antigas comunidades de vilas e cidades de Angola, simples colectividades de todos esses sítios, que a saga descolonizadora de há 30 anos, cruenta como foi, arrancou ao seu passado e às suas origens. Os do Huambo, do Lobito, de Sá da Bandeira, os do liceu Salvador Correia de Sá, do Tchivinguiro, do Colégio de S. José de Cluny, etc..
Também os do Calulo - vila pequenina e risonha, incrustada no verde mágico, no ar puro e nos cheiros inebriantes da paisagem única do Cuanza-Sul. A estrada nova que no fim da década de 60 passou a ligar a Quibala ao Dondo deixou o Calulo de fora. Vaticinaram-lhe então o futuro pouco promissor que parecia estar reservado às vilas perdidas algures, fora do alcance das estradas principais. Mas não foi isso queaconteceu. O Calulo que chegou aos dias da descolonização era uma vila ainda mais próspera. E continuava bela e mágica.
Destino ingrato foi o que a descolonização e os demónios que a mesma carregava no bojo reservou ao Calulo. Assim como a tantas cidades, vilas e pequenas povoações de que Angola era feita. E a seguir à descolonização, praticamente sem intervalo, foi a vez de outra peçonha, a da guerra civil, fazer ainda pior. Hoje em dia, cinco anos andados sobre o tempo do fim da guerra, o Calulo e os outros milhares de pequenas vilas, começam lentamente a renascer das cinzas em que foram transformadas.
Era notório que o novo e muito celebrado clima de paz instalado em Angola estava presente no último convívio, o quinto, que naturais de Calulo residentes em Portugal promoveram em Almeirim, para os lados de Santarém. Vê-se que entre os cerca de 300 participantes, feitos residentes em Portugal pelos dissabores com que a vida os "prendou", estão misturadas ensibilidades e crenças diversas - que no passado desuniram, mas parece que agora aglutinam. Alguns já foram ao Calulo, coisa antes impossível, em romagens de saudade ou simples revisitação. Do que viram fazem circunstanciados relatos. E há também os que vieram propositadamente do Calulo ou de outras partes de Angola para estarem naquele sábado em Almeirim.
Entre as vilas, pequenas e grandes, que pontilhavam Angola, algumas entretanto alçadas à condição de cidades, havia algumas que toda a gente conhecia e facilmente identificava no mapa. Eram as vilas mais típicas. O Calulo era conhecido por ali estanciarem, de um dia para o outro, as carreiras da EVA, que ronceiramente vinham de Nova Lisboa em direcção a Luanda. Pelas suas riquezas agrícolas, belezas paisagísticas e os alemães da estirpe de Madame Berman que ali tinham belas fazendas de café, sisal e tudo o que uma natureza generosa dá. A pujança no passado associada ao Calulo (circulava dinheiro) explica que muitos daqueles que estão no convívio de Almeirim seja gente instruída. Está lá um cirurgião e um economista, que os pais tiveram cabedal para mandar estudar. Mas ficaram em Angola outros calulenses ilustres: Higino Carneiro, José Pedro de Morais e Pedro Neto. Higino Carneiro desta vez não vem, veio em anos anteriores, mas manda representantes pessoais. É assim que acha que um calulense deve ser.
A mais distinta personalidade que está no convívio de 2006 é o Bispo do Sumbe, D.Benedito Roberto, que a alma-mater da iniciativa, Evelino Nunes, cunhado de Carneiro, sabendo-o em Portugal, logo convidou. Vem para lembrar aos calulenses que na capela da vila ainda está uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que aí pelos anos 60 o arcebispo de Luanda mandou em peregrinação por todo o vasto território que estava então sob sua jurisdição. Foi no Calulo, termo da jornada, que ficou para sempre. Até hoje.
O Bispo tem em mente fazer do Calulo e da capela onde a imagem se conserva um grande centro de peregrinação. À imagem passou a chamar Nossa Senhora Peregrina. E quer sensibilizar os calulenses para tão nobre causa. Foi essa, em substância, a mensagem que transmitiu aos calulense reunidos em Almeirim quando a instalação sonora anunciou que «o Senhor Bispo vai falar, pedimos a máxima atenção». E todos lhe prestaram respeitosa atenção, como teria acontecido no Calulo, anos atrás, se o episódio, por acaso, ali tivesse ocorrido.
Artigo publicado na Revista Lusomonitor em Maio/2007, gentilmente cedido pelo editor